quinta-feira, 31 de outubro de 2019

PROMOTORA QUE DESMENTE PORTEIRO,TAMBÉM ARQUIVOU CASO AMARILDO

RBA - A promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, que integra a equipe do Ministério Público do Rio de Janeiro responsável por investigar o assassinato de Marielle Franco, faz parte também da lista de frequentadores de redes sociais declaradamente fãs de Jair Bolsonaro.

Ela mantém ainda nas suas redes foto com o deputado estadual do Rio de Janeiro Rodrigo Amorim (PSL), que ficou conhecido por quebrar uma placa com o nome da vereadora assassinada em 14 de março de 2018.
Carmen tem também no currículo o pedido de arquivamento da ação contra policiais acusados de sumir com o pedreiro Amarildo Dias de Souza – desaparecido da favela da Rocinha em julho de 2013.

A posição ideológica da promotora Carmen começou a circular hoje (31), pelo Twitter do editor do Intercept Leandro Demori. E põe em dúvida um desmentido feito por integrantes do MP-RJ tratado ontem como certeza pelo noticiário.

A execução de Marielle, que tem como suspeitos o ex-policial militar Élcio Queiroz e o sargento aposentado da PM Ronnie Lessa, voltou às manchetes esta semana, após reportagem do Jornal Nacional na terça-feira (29). No dia seguinte à reportagem, a promotora Carmen afirmou que o porteiro teria mentido ao afirmar, em depoimento, que Queiroz teria utilizado chamada para a casa 58, onde mora Bolsonaro, para entrar no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Por sinal, onde Lessa também mora.

O desmentido do MP-RJ, porém, não encerra a polêmica. Ao contrário, amplia as perguntas sobre um caso há 600 dias sem muitas respostas. Uma nova pergunta surgida hoje seria: que imparcialidade teria uma promotora do MP assumidamente pró-Bolsonaro e anti-Marielle (que para ela seria uma “esquerdopata”)?

Apesar da reação intempestiva do presidente da República, em vídeo divulgado nas redes sociais, Bolsonaro sabia que seria mencionado no caso há mais de 20 dias. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, no dia 9 o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), teria informado a Jair Bolsonaro que seu nome tinha sido mencionado pelo porteiro do Vivendas da Barra no inquérito que apura a morte de Marielle Franco.

Por que Bolsonaro sabia? Por que Witzel sabia?

Por que o Jornal Nacional de ontem (30) aceitou passivamente o desmentido sem questionar a imparcialidade da promotora? Pelo Twitter, o jornalista Luis Nassif, do Jornal GGN, provocou a emissora: “O condomínio não tem interfone. As ligações são para fixo e celular. No caso de Bolsonaro, para seu celular. Se fizer jornalismo, a Globo conseguirá ressuscitar a denúncia”.

Por que, no primeiro processo, a Justiça concluiu que Amarildo foi torturado e morto por 13 PMs que acabaram condenados? E num segundo processo o caso acabou arquivado (conforme nota não muita antiga do jornal Extra), devido, segundo teria justificado a promotora Carmen Carvalho, ao fato de a investigação não ter avançado?

O pedido de arquivamento foi feito pela promotora Carmen em abril deste ano, e aceito pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 13 de junho.

Bolsonaro sabia
Ainda de acordo com a Folha, na manhã de 16 de outubro, Bolsonaro recebeu três dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no Palácio do Planalto. “Ele teve uma audiência com os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, que preside a corte. Na sequência, falou em separado com Gilmar Mendes”, informa a reportagem.

Um dia depois do encontro, Toffoli, teria recebido integrantes do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro para tratar da menção a Bolsonaro na apuração sobre a morte de Marielle.

“Ainda naquela semana, antes de embarcar para a viagem de 12 dias por países da Ásia e do Oriente Médio, Bolsonaro recebeu seu advogado Frederico Wassef e o procurador-geral da República, Augusto Aras”, revela a Folha.

“Aras classificou a divulgação do episódio como um ‘factoide’”, relata a reportagem. “Ele afirmou à Folha que o STF e a PGR (Procuradoria-Geral da República) já arquivaram uma notícia de fato, enviada ao Supremo pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. E informou ainda que remeterá para o Ministério Público Federal um pedido feito pelo ministro Sergio Moro (Justiça) para que se investiguem as circunstâncias em que o porteiro do condomínio de Bolsonaro citou seu nome em depoimento à polícia do Rio.”

Apesar disso tudo, durante mais de 20 dias, a informação de que o nome do presidente da República surgiu no caso Marielle permaneceu em segredo. Mas Bolsonaro sabia. Que medidas pode ter tomado durante todo esse período? Há informações de pressão sobre os funcionários do condomínio.

Em suas redes sociais, o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, publicou um vídeo com conteúdo gravado na administração do condomínio. As imagens mostram dados conflitantes aos apresentados na reportagem da Globo. E corroboram o afirmou o Ministério Público do Rio: o porteiro teria interfonado para a casa 65 –  e não para a casa 58, de Jair Bolsonaro. A entrada de Élcio Queiroz teria sido autorizada, então, por Ronnie Lessa.

Mas, em dois depoimentos à Delegacia de Homicídios, o porteiro teria afirmado que “seu Jair” autorizou a entrada de Élcio. E que, ao observar pelo circuito interno de TV que o visitante estava indo para outra casa, teria ligado novamente para a casa de Bolsonaro que teria dito saber onde Élcio estava indo.

Segundo a Folha de S.Paulo, perícia feita por técnicos do MP apresenta lacunas e não afasta a possibilidade de que áudios do sistema de interfone tenham sido excluídos antes de serem entregues à Polícia Civil.

Concessão ameaçada
Em sua live, Jair Bolsonaro ameaçou a Rede Globo com o fim da concessão pública, que vence em 2020. A decisão não é de responsabilidade do presidente da República, mas do Congresso Nacional. O parágrafo 2º do Artigo 223 da Constituição Federal é claro: A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. O ataque de Bolsonaro, no entanto, parece ter surtido efeito.

Na edição do Jornal Nacional da quarta-feira (30), a Globo voltou atrás de tudo e acatou sem questionamentos a versão de que o porteiro mentiu. Aqui surgem novas perguntas: o jornalismo da emissora não checou os dados e os áudios antes de divulgar uma reportagem dessa gravidade?

Em seu blog Tijolaço, o jornalista Fernando Britto levanta indícios: “A ameaça de cassação de sua concessão, afirmada explicitamente pelo presidente, ‘fez diferença’. Afinal, o que é perder o respeito perto de perder uma rede de TV? O império Marinho sai desmoralizado desta batalha de Itararé, que nem chegou a acontecer. Bom para entender que, quando enfrentada, a Globo pode ser um tigre de papel”.

Mais perguntas
O porteiro, ainda anônimo, será exposto e poderá ser processado. Se realmente mentiu, por que faria isso?

Por que Fabrício Queiroz, ex-assessor da família Bolsonaro que permanece desaparecido, falou em áudios vazados na semana passada em “pica do tamanho de um cometa” contra o clã?

Por que, como observou o jornalista Florestan Fernandes Jr., o MP que em nove meses não conseguiu tomar um depoimento de Fabrício Queiroz conseguiu em 24 horas descobrir que o porteiro teria mentido?

Bolsonaro chegou a anunciar em entrevista concedida em Riade, na Arábia Saudita, que vai acionar o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro para que a Polícia Federal (PF) possa colher um novo depoimento da testemunha. Com isso, o presidente da República estaria incorrendo em crime de responsabilidade, passível de impeachment?

Por que o porteiro mentiria? Por que teria feito anotações erradas no registro do condomínio?

Se era mentira, por que Bolsonaro ficou tão alterado a ponto de, em live na sua página do Facebook, ameaçar a emissora e atacar o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, como responsável por “vazamentos”?

A relação da família Bolsonaro com as milícias acusadas da morte de Marielle e de milhares de outras pessoas no Rio de Janeiro pode estar na base dessas desconfianças?

Respostas nas cenas dos próximos capítulos desse país que segue desgovernado. A conferir.



REGISTRADO EM: CASO AMARILDO, CONDOMINIO VIVENDAS DA BARRA, PEDREIRO AMARILDO, PORTEIRO DE BOLSONARO, PROMOTORA CARMEN CARVALHO
CASO MARIELLE
Moro pode ter cometido crime de advocacia administrativa ao interceder por Bolsonaro, diz jurista
Segundo o professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rogério Dultra dos Santos, ministro da Justiça estaria advogando em defesa dos interesses pessoais do presidente, em episódio ocorrido antes de sua chegada à presidência da República

Apesar da afirmação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) de que o porteiro que citou o presidente Jair Bolsonaro em seu depoimento teria mentido, ainda restam lacunas no caso que envolve os executores da vereadora Marielle Franco. Segundo a promotora Simone Sibilio, há prova pericial que demonstra que a entrada de Élcio Queiroz no Condomínio Vivendas da Barra foi autorizada por Ronnie Lessa.

A mesma perícia, contudo, não afasta a possibilidade de que áudios do sistema de interfone tenham sido excluídos antes de serem entregues à Polícia Civil. Os materiais foram entregues espontaneamente pelo síndico do condomínio, dias depois do Supremo Tribunal Federal (STF) ter sido comunicado da citação ao presidente pelo porteiro.

Para o professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rogério Dultra dos Santos, a Rede Globo teria agido de maneira “açodada”, em mais uma ação de “espetacularização judicial”, baseada em vazamento ilegal de processo que corre em segredo de Justiça, repetindo os meios adotados pela Lava Jato. Mas ainda mais grave, segundo ele, foram as posturas adotadas por Bolsonaro e pelo seu ministro da Justiça, Sergio Moro, que incorreram em crime de responsabilidade, que é passível de impeachment, ao agiram deliberadamente para interferir nas investigações.

Ao ser acionado por Bolsonaro, Moro pediu à Procuradoria-Geral da República que investigasse a citação indevida ao presidente. “É obstrução de Justiça, não pode. É um caso clássico de crime de responsabilidade. O próprio ministro, ao se envolver nesse imbróglio e solicitar à PGR para que intervenha no processo, advoga administrativamente. Advocacia administrativa também é crime”, afirmou o professor aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (31). Moro estaria advogando em defesa dos interesses pessoais de Bolsonaro, na medida em que o episódio ocorrido antecede a sua chegada à presidência da República.

Definido no artigo 321 do Código Penal, o crime de advocacia administrativa é atribuído àquele que “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”, com pena de detenção de um a três meses, ou multa, subindo para três meses a um ano, além da multa, se o interesse for ilegítimo.

“São ações absolutamente descabidas, com potencial de serem lidas pela comunidade jurídica como criminosas. Isso vai dar em alguma coisa? Não necessariamente. Politicamente, o presidente saiu fortalecido de alguma maneira, porque a Globo não manteve a sua narrativa, e recuou”, disse Dultra, que também é membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).